Minha primeira vez foi em 2018. Campanha política, a onda bolsonarista arrastando tudo, trabalhava 12, 15 horas por dia. Nesse dia em específico estava indo para o trabalho quando percebi que peguei o ônibus errado. Puxei o sinal, desci no ponto, sentei e comecei a chorar. Não sabia como chegar nem no trabalho nem em casa. Quando consegui ligar para um amigo, ele me ouviu com atenção e falou: “Lígia, você só precisa atravessar a rua e pegar o ônibus do outro lado”.
Eu me demiti assim que acabou o segundo turno.
A segunda vez foi no primeiro ano de pandemia. A certeza de que a extinção da espécie estava a caminho não ajudou muito, mas minha falta de autocuidado também não. Se vamos todos morrer, posso queimar todos os fusíveis de uma vez, não? Tive uma crise de ansiedade fortíssima, crises de choro descontroladas.
Desde então faço terapia. E diminuí consideravelmente a quantidade de coisa que eu faço.
Mas diz a lenda que quando você abre essa porta para o burnout, ela sempre fica meio entreaberta, né? Um pouco mais a cada vez.
Minha terceira vez foi em um aeroporto, depois de cinco dias dormindo no máximo 4 horas, 12 horas de vôo pela frente, e uma quantidade enorme de trabalho atrasado ainda a entregar. Quiseram revistar minha mala, a senha do cadeado não funcionava, e eu não sabia o que fazer. Não chorei, com medo de chamar mais atenção, mas sentei no banco e travei. Travei. Não sei quanto tempo fiquei lá, mas no final desistiram de revistar minha mala e a moça me devolveu com um pedido muito sincero de desculpas.
Isso foi essa segunda-feira.
Nos stories, algumas fotos de passeios que fiz. Alguns sonhos sendo realizados. Uma entrega enorme sendo finalizada. Na minha cabeça, uma vontade honesta de me jogar no rio só pra ver o que acontece.
Falei com a psicóloga. Passei na psiquiatra. Estou me medicando. Mas a merda é ouvir de todas as médicas que minha parte estou fazendo, o dilema agora é escolher entre pagar boletos ou saúde mental. Como decide isso?
Pelo menos conhecer outros lugares coloca as coisas em perspectiva. Trabalhar tanto assim não é comum no mundo todo, como nos fazem acreditar. Sacrificar vida pessoal pela vida profissional não é hábito mundial. Ter que escolher entre saúde financeira e saúde mental é errado, não importa o quanto insistam do contrário.
Não que eu tenha uma conclusão lógica aqui. A indicação médica é que nesses dias afastadas eu faça coisas que eu gosto. Ontem fui num show, hoje fui num evento de quadrinhos. Estou dormindo 10 horas por dia, chorando um pouco menos de cada vez, assistindo coisas que eu gosto. Não sei o que fazer, não tenho um plano, não consigo pensar em soluções.
Mas aguardo ansiosamente o momento em que vão pensar “nossa, mas ela está sorrindo, como ela pode estar mal?”.
Alguém por favor recolha minha carteirinha de adulto porque eu não quero mais brincar.
Uma parte de mim odeia o fato de eu ter demorado tanto para escrever aqui e quando volto, trago uma ode ao desespero. Mas estava sentindo saudade de escrever para vocês, e estava na lista de coisas que eu merecia fazer nesse meio tempo.
Espero que vocês estejam bem, comprem seu kit sobrevivência para as tempestades que estão vindo. E se você é de São Paulo, lembra que podemos ter uma cidade melhor votando 50 no domingo de eleição.
Beijos e até mais!
Amiga, ontem mesmo eu estava conversando com um amigo sobre essas questões. Eu sinto que conseguimos chegar "ao topo" de nossas carreiras, conquistar nossos sonhos... Mas, de alguma forma, é muito difícil se manter nesse lugar de conquista/tipo/sonhos. A gente chega lá e, quando chega, tem um preço muito caro a ser pago... e, por experiência própria, não acho que o preço seja justo. Sinto muito por você e desejo, de todo o coração, que você encontre um caminho mais branco e calmo, uma forma de pagar os boletos que seja menos desgastante. Se precisar conversar, estou sempre aqui. ♥️ Abraço apertado e se cuida.
Lígia nós te amamos (eu me elegendo representante dos leitores do Incidente em Colares). Fico feliz que você pegou uns dias pra fazer coisas que te fazem bem. Estamos todos com os padrões neurais viciados pela máquina de moer gente, mas eu acredito que vamos encontrar os caminhos alternativos para não ser moídos (talvez até pagando boletos :o )