Dear FutureMe,
Demorei para escrever essa carta, ou talvez só tenha tirado um cochilo? Afinal todos os dias são os mesmos dias, né?
Normalmente não faço retrospectiva, mas acho que tanta coisa ainda vai acontecer que vale dessa vez… Até 29 de junho de 2020 vc já está a no mínimo 100 dias em distanciamento social, já teve mais ministros do que consegue contar, o Bolsonaro já normalizou o absurdo todas as sextas feiras (o que não o impede de fazer também nos outros dias da semana), e você está confusa com praticamente tudo o que passa na sua cabeça.
No hoje, as pessoas sem máscara é que são assustadoras, andar na rua é um ato de sobrevivência… Sexo virtual se tornou normal (e até indicado!), festas em vídeo também. Mandar áudio se tornou necessário para matar a saudade de vozes que não se escuta de outra forma. Sobre mim, a minha paciência com as pessoas praticamente acabou. Na terapia descobri que tenho que trabalhar muito para realmente ter amor próprio. Não sei mais se amo o que faço. Não sei se alguma vez vou realmente amar qualquer coisa por muito tempo. Nunca me identifiquei tanto com a Angelica Schuyler “… a woman who has never been satisfied”.
Não tenho mais nenhuma estabilidade emocional, as coisas boas que recebo parecem demais para alguém como eu. Ontem recebi presentes de pessoas incríveis, em uma surpresa que nem sei descrever o quanto me deixou feliz… E mesmo assim tenho aquela voz lá no fundo dizendo que não mereço, ou que não vai durar pra sempre… Que na verdade nada importa. Que a felicidade é só essa coisa que a gente vê de vez em quando mas que passa rápido… É difícil porque eu sou muito boa em ser cruel comigo mesma.
Sinto saudade de tanta coisa, de tantas pessoas, tenho tanto querer dentro de mim, que não sei como ainda não explodi. E eu, que sempre fui tão boa em me comunicar com a escrita, não aguento mais escrever. Sinto uma saudade doentia de ficar sem palavras, da naturalidade do gaguejar, de assuntos que mudam com a velocidade de um gole de cerveja… Sinto saudade de interpretar corpos, silêncios e olhares. Enquanto enfrento o sentimento cada vez mais forte de que estou me tornando um robô. (Não era assim que eu queria apoiar a revolução das máquinas, não mesmo.)
Eu não tenho ideia do que está por vir. Eu não tenho nada planejado para você. Só posso dizer que estou dando meu máximo para que saiamos dessa melhores do que entramos. E desejo de coração que você consiga aproveitar bem os resultados de cada oportunidade que abracei enquanto estava aqui. É a esperança de sermos felizes com mais frequência que me faz enfrentar cada dia do hoje.
Eu conheci o “FutureMe” pelo twitter, um site em que você manda e-mails para datar futuras, e desde 2018 criei o hábito de me escrever uma carta no meu aniversário… Normalmente elas são recheadas de mensagens de carinho e cuidado, esperando que a Lígia do futuro tenha atingido alguns dos objetivos planejados…
Mas a carta seguiu rumos não planejados, e como não quero sobrecarregar a Lígia do futuro com más lembranças, achei justo publicar o início da carta aqui, e ela abre o link se quiser.