Comecei a ler não ficção. Não me pergunte como. No ímpeto de aproveitar uma vontade que quase nunca aparece, comecei a ler Não aguento mais não aguentar mais: como os Millennials se tornaram a geração do burnout, escrito pela Anne Helen Petersen, lançado pela HarperCollins em 2021 (uma indicação do
).O livro faz um resgate histórico das mudanças sociais e econômicas desde os boomers até a atualidade, para mostrar todos os fatores que fazem dos millennials a geração do burnout. Entenda, isso não significa que as pessoas mais velhas não estejam passando pelo mesmo, afinal estamos todos vivendo o fim do mundo. É só que os millennials tem um jeito todo especial de estarem fodidos, sabe?
Junto com a terapia, o livro fez um grande favor para minha saúde mental. De uns tempos para cá ando me sentindo MAIS cansada. Já culpei o pós pandemia, um possível pós-covid. Quando olho ao redor, parece que só eu não dou conta de dormir o suficiente e fazer todo o resto. Coisas tão pequenas me tirando completamente do eixo, no final o diagnóstico é sempre incompetência. O problema só pode ser eu!
Mas as coisas mudam quando você se insere num contexto. De acordo com o livro, os millennials são a primeira geração que vão estar piores que a geração anterior. Nossos pais vieram de um momento completamente diferente: oportunidade de ascensão social, incentivo do governo, estabilidade econômica pós-guerra, fortalecimento dos sindicatos. Muitos trabalhavam em dois empregos, tinham dívidas, as mães em jornada dupla ou tripla, sim. Mas eles conseguiram comprar uma casa, um carro, criar os filhos, e de vez em quando até tomar uma cervejinha. Então era só questão de se esforçar, né?
A autora faz um ótimo levantamento para mostrar que esses mesmos benefícios foram tirados das gerações seguintes. Vai dizer, que piada triste saber que nossos pais foram a última geração a se aposentar? O livro fala muito dos Estados Unidos, mas é possível fazer um paralelo com o Brasil, a pejotização, e até a insegurança de carreiras antigamente seguras, como engenharia, que hoje são meme sobre virarem motoristas de Uber.
Os Millennials vivem com a realidade de que vão trabalhar para sempre, de que vão morrer antes de pagar os empréstimos estudantis, de que talvez seus filhos acabem indo à falência quando precisarem cuidar de nós, ou de que acabem sendo destruídos por um apocalipse global. Isso pode parecer uma hipérbole, mas é o novo normal, e o peso de viver nessa precariedade emocional, física e financeira é atordoante, em especial quando tantas das instituições sociais que antes forneciam estabilidade e orientação, da Igreja à democracia, parecem nos deixar na mão. (p. 28).
Ah, então fazuele, pensa aquele lá. Mas o ponto é: essa característica é global. É o Vale do Silício inventando ambiente descontraído e dando comida pra você nunca mais sair do trabalho. É a romantização de profissões pra você trabalhar por amor o dobro do tempo por um quarto do dinheiro. É o enaltecimento do workahoolic. É a bolsa de valores aumentando o valor da ação só por causa de demissão em massa. Nosso trabalho não tá pagando o prato que a gente come, e isso no mundo todo.
“Faça o que você ama e não vai trabalhar um dia na sua vida vai trabalhar muito mesmo o tempo todo sem nenhuma separação e nenhum limite, e também vai levar tudo extremamente para o pessoal”. (pp. 117-118).
Se você olha com mais atenção, (tirando os herdeiros) tá todo mundo fodido. Alguns mais, outros menos. Desigualdade social e problemas financeiros pioram tudo, mas até quem tem estabilidade está sofrendo do mal da rede social, do trabalho abusivo, do esforço para ser uma pessoa melhor, mais interessante, mais inteligente, mais presente, mais mais mais.
Eu já comentei num outro texto sobre a ânsia de estar em todas as redes sociais, e no livro a escritora aborda essa questão como um sintoma, e não como a doença. Porque nos sentimos obrigados a mostrar que somos interessantes, importantes, úteis, ou seja lá qual seu motivo para estar lá. E isso se une aos picos de dopamina e ao scroll infinito que causam fomo se não entrar na rede, se não postar na rede, e o eterno sentimento de inutilidade se não conseguir seguir o plano que você nem queria ter montado, pra começo de conversa.
É por isso que a condição do burnout é mais do que apenas o vício em trabalhar. É uma alienação de si mesmo e do desejo. Se você subtrair sua capacidade de trabalhar, quem é você? Sobra um eu para escavar? Você sabe do que gosta e do que não gosta quando não há ninguém lá para assistir, sem a exaustão para forçá-lo a escolher o caminho de menos resistência? Sabe como se mover sem andar sempre em frente? (p. 267).
Fomos ensinados que as coisas são ruins assim mesmo, e que não tem outra opção. E estamos tão cansados que não existe nem tempo de pensar em outra forma de fazer as coisas.
Mas com isso está todo mundo pagando com o juízo o preço de existir. E se não fizermos nada - ao menos parar e refletir sobre o assunto -, vai sobrar o que da gente?
Para continuar a reflexão, quero trazer o texto do
, na , sobre hobbie, esse hábito estranho que ou a gente monetiza, ou a gente abandona porque não é útil.Também quero trazer esse texto da
, no , com um texto sobre jovens. Sem querer acabou que escrevi uma quase resposta para a pergunta no final do texto dela. 👀E assinem a Newsletter do
, a , porque quero que ele faça um daqueles textos bonitos dele sobre esse livro.É isso, fazia tempo que não usava tantas palavras numa newsletter, e olha que passei a tesoura aqui, viu? Leiam o livro, por favor, e me chamem pra conversar e desabafar.
Também não esqueçam de beber água e de derrubar o capitalismo. Nunca pedi nada, vai.
Até mais!
Vou por na lista de indicações de leitura... Mas fiquei com uma pulga pensando que outros recortes precisam ser feitos nessa análise, como o racial. Vejo que muita pessoas não brancas e millenials estão melhores do que seus pais, por serem as primeiras pessoas da família com ensino superior, por ex. Acho que tbm um recorte de gênero seria interessante. Que estamos todos estafados é visível, mas acho que tbm há detalhes importantes a considerarmos. Ando curtindo um JOMO, foi o jeito que encontrei de sofrer menos emocionalmente. Além de musculação e beber água! Beijo
Foi uma news boa demais, senhouora! Pior que tem algo tranquilizador em saber que a nossa exaustão não é só nossa, mesmo que isso signifique que é algo que nossa geração toda esteja vivendo, sai do lugar de culpa né. Sobreviver sem a perspectiva de viver é algo cansativo, mas ter info meio que pode ser a saída (e tbm o excesso que nos afunda um tico hahaha).