Tenho certa inveja de quem cria. Livros, quadrinhos, quadros, artesanato, músicas, arte das mais variadas formas. Pesado, inveja, né? Mas pense o tipo de potência que uma pessoa precisa para criar algo que arrebate um completo desconhecido a ponto de fazê-lo chegar à flor da pele dos sentimentos? Sou comunicadora, sinto em mim esse desejo intenso de não ser apenas o arrebatado, mas aquele que consegue sequestrar a mente e o coração de um desconhecido por horas (dias, semanas?) sem nunca conversar. Sintomas de uma pessoa que nunca achou que saberia escrever histórias longas? Talvez, mas isso fica pra terapia.
Mas também entendo que minha potência criativa é outra. Uma amiga querida disse que não sabe TER ideias, mas que adora executar. Eu já sou o contrário, estou fervilhando 24/7, inventando coisas para projetos atuais, futuros e alheios. Eu me esforço para não jogar planos mirabolantes no colo dos outros (sobra para os amigos, constantemente atacados com uma ideia jogada aleatoriamente, eles querendo ou não).
É usar a criatividade de outra forma. Encaixar as inspirações no formato que que estou habituada a usar. E tudo bem.
Mas estar em eventos como a Flip e a CCXP e falando com tantas pessoas que fervilham faz tudo ser diferente. Num mundo de repetição e padrões, a proximidade com mentes em erupção me traz novos ingredientes, novas fôrmas e temperos. Não estou me comparando com os grandes mestres - mas que felicidade é dar um dedo de prosa com eles!
E também é em eventos que eu consigo sair da minha bolha. Nessa última FLIP conversei com Xadalu Tupã Jekupé (tem mais sobre ele lá embaixo). Artista mestiço que usa elementos da serigrafia, pintura, fotografia e objetos para abordar em forma de arte urbana o tensionamento entre a cultura indígena e ocidental nas cidades, suas obras estão no mundo todo. Ouvir dele um resumo dos contos indígenas, escutar de sua voz cansada a história de uma vida difícil, mas também reconhecendo batalha, vitórias. E aquela vontade profunda de fazer, o que for, para não deixar as coisas como estão.
Falei em um texto antigo sobre essa aproximação com a identidade latino-americana, mas ainda sinto muita falta de me aproximar do meu Brasil. Das histórias que são contadas nas refeições, das músicas tocadas nas festas e bailes regionais. Dos nossos que estão vivendo batalhas só contadas nos livros de história. De quem meus avós foram, e de todos os futuros que foram arrancados dos meus antepassados.
Tenho muita inveja de quem cria, sim. Mas tenho empatia para entender a dor que cada um deles enfrentou antes de chegar onde chegaram. Não querendo fazer do sofrimento a maior fonte de inspiração, mas toda cicatriz conta uma história, e histórias devem ser respeitadas. Também tenho as minhas e respeito muito quem eu fui para me tornar quem eu sou.
Talvez eu só precise de mais tempo, um pingo de paciência e o olhar mais bem treinado para saber qual história eu sei contar.
Falei de Xadalu bem de leve, mas gostaria MUITO que vocês conhecessem o trabalho dele. Ele participou do podcast Sesc ConVIDA!, e também tem uma matéria muito legal do Instituto Ling sobre sua história. Postei no meu Instagram um vídeo curtinho da exposição que rolou na unidade Santa Rita do Sesc Paraty na FLIP, caso bata aquela curiosidade.
Recebi um feedback desse texto dizendo que era irônico eu escrever sobre não saber escrever. Me tornei o tipo de escritor que escreve sobre a crise da escrita sem nunca ter publicado um livro! Achei meu diferencial.
Muitas newsletters saíram com reflexões impactantes e delicadas sobre os últimos eventos. Você também postou algo parecido? Manda pra mim!
O ano ta acabando e cobrando seu preço. Descansa, beba água e respira, 2023 tem tudo para ser melhor <3
> Recebi um feedback desse texto dizendo que era irônico eu escrever sobre não saber escrever. Me tornei o tipo de escritor que escreve sobre a crise da escrita sem nunca ter publicado um livro! Achei meu diferencial.
Meu sonho o dia em que a gente parar de medir escritor por livro — mas por escrita.
Foi tão bom ter trocado ideias contigo em Paraty! Também sou fervilhada das ideias, até ponho em prática muitas delas, mas já sei que não dá tempo de fazer tudo. E escreva sim, gosto de te ler. Beijo